O telefone toca. O telefone sempre toca quando não é hora. E eu que nem lembrava haver enviado um currículo para outros lugares que não aqueles que me contrataram, porque eu sempre esqueço quem esquece de mim. Era uma agência de tradução, outra, elas agora todas me querem, a minha habilidade linguística. Eu só queria beijar mais do que escrevo.
O telefone toca também por um amor que eu não quero. Eu sou foda. Quando resolvo não-querer, empaco como uma mula. Eu não quero o amor que os meus amigos consideram bom pra mim. Eu detesto ter total controle da situação. Alguém que me venera. Se o telefone toca-se agora eu não atenderia. Ele e os seus pulinho ridículos em cima da mesa, e o seu gemer automático, puff, não é a hora, não agora.
O telefone toca nesta manhã de segunda-feira e eu me vou para a beira do rio. Entre os ingleses que usam ternos e pegam trens, nervosos, o relógio cada vez mais apertado no pulso, pegando take-away pelo caminho. Eu sou um deles hoje, estou tão atrasado. Putz.
Subo o elevador para traduzir algo para a Jaguar. Ah, o meu currículo está ficando ‘do caralho’. Clientes internacionais o decoram e eu penso no porque que aquela agência de escritores não me ligou. Foda ser do Brasil, vez ou outra, os projetos são tão poucos. Por que será que a economia não pega logo um elevador e me ajuda do lado de cá? Ser brasilerio só é bom porque a gente é foda, a gente inclusive se acha melhor, mais feliz, mais esperto. E também menos um tanto de outras que fingimos não dar importância.
O prazo do mestrado se aproximando, e eu só escrevi mil palavras. A tal empresa onde trabalho lançando a versão Mac do software, e eu correndo para a tradução, porque eu gosto de usar o meu vocabulário, escrever na minha língua materna, pura vaidade. E o tempo que era tanto, agora anda tão raro que só me resta escrever algo bobo e sem sentido.
Quero meu tempo de volta. Ser vagabundo part-time é uma sensação incrível.