É preciso crescer, diz a mãe natureza, desde que nos entendemos por gente e ela arranca os nossos dentes, nos enche de pêlos e desejos, e só pra sacanear, nos transforma em alguém cada vez mais parecido com os nossos pais. Ah, a fila-da-mãe.
Pois é, neste vão de acontecimentos, eu fui a uma entrevista numa empresa de tecnologia digital-gráfica. Por algum motivo inexplicável, eles acharam que eu preenchia as exigências e me deram este emprego com horário conveninete, salário maior e pouco trabalho. Os amigos felizes, me incentivaram, disseram que é o começo desta nova fase, pós-mestrado, e coisa e tal. Mandei todos tomar no cu, de uma forma ou outra.
Sair da livraria é abandonar um pouco este meu lado pseudo-escritor. Fez-me ver que eu vivo uma ilusão de que há tempo, de que a minha alternatividade combina com este mundo quadrado e movido a dinheiro. Eu sou um capitalista, um fila-da-puta de um capitalista. Fui quase todos os dias enfezado, de pouco papo, como se eles tivessem me colocado numa armadilha da qual não pude recusar. Quem diria, um emprego que eu tanto quis.
É um lance engraçado estar dentro de mim, eu sou a pessoas mais confusa do planeta. Eu quero sempre ser dois, fazer 402 coisas ao mesmo tempo e coisa e tal. Aí me falta tempo, dedicação, espaço. Estou tão triste por ter que sair da livraria, deixar aquele bate-papo gostoso com todos aqueles quase artistas, ou artistas ‘to be’. Aquela atmosfera de gente talentosa e desperdiçada, auto-sabotagem.
Fico eu agora, bancando o adulto naquela empresa, em que as pessoas são tão legais comigo, reclamando, de mau-humor, fazendo tudo no automático. Ah, eu preciso tomar vergonha na cara, e crescer. Encarar tudo com seriedade e objetividade. Eu preciso ser menos Eu, só para variar.
Saturday, 31 May 2008
Friday, 16 May 2008
Mentiras
O espelho, meu pior inimigo. Mesmo quando as canecas vazias das minhas lembranças denotam tristeza, o reflexo não se altera. O mesmo rosto jovem e harmônico. Mentiras. Eu nem preciso falar para mentir. Sou um mentiroso calado, involuntário. Um sopro que você expira e depois cospe, sujando a rua da Cidade cinza. Mesmo quando sou irresponsável e torto, e deveria carregar em sacos pláticos pretos as culpas que abandono. Mesmo assim, o espelho. Não se altera. Eu vou cobri-lo como em ‘o retrato de Dorian Gray’, e depois varrer a rua que você irresponsavelmente pisa. Eu vou raspar a cabeça outra vez.
Saturday, 10 May 2008
Auto-retrato
Auto-análise, um subterfugio que criei para levantar paredes para o meu próprio campo emocional. Compreendo cada passo que o destino dá, autoritário, sem consultar o zodíaco. Deve estar escrito em algum lugar. O meu ser ariano, as culpas, insegurança.
De onde vem este pulsar tão equivocado, o desespero? Certa vez, ouvi dizer, ou li, já nem sei, talvez tenha até mesmo inventado – eu acredito tanto no que mesmo crio – que romantismo é fraqueza. E você entende o tipo de romance a que me refiro, Ana. Eu sei.
Lembro, assim tão vagamente, de ser uma criança carente, o único com a caixa de fotografias quase vazia. O meu pai era fotográfo profissional. Os meus irmãos tinham fotos e mais fotos. Lembro da minha mãe sempre muito ocupada, as nossas contas vencendo, a chuva que molhava a casa por dentro, de vez em quando, as bebedeiras do outro, a nossa obsessão por educação, numa rua em que a maioria das pessoas mal sabia ler direito. A imagem que nunca combinava com nós mesmos. Eu sempre tive esta consciência de ser muito inteligente e relapso. Eu sempre precisei de atenção.
Projeções de amores perfeitos, as coisas que eu lia. Uma carência tão grande. E o modo como TODOS gostavam de mim, porque eu era cool, o meu modo sempre muito diferente de ver a vida. Não percebi o naufrágio, o quanto as derrotas, os amores perdidos ficaram em mim, mas do que as vitórias e os amores conquistados.
Foi tão engraçado chegar em Madrid e andar pelas ruas de madrugada bêbado como um cachorro, sofrendo a solidão de estar só no mundo, tão perdido. Eu sei que projeto no outro um ideal que não existe, e o fundo cavado e virado ao avesso disto tudo é que eu não me dou o devido valor – foi preciso ler a Anais Nin para entender. Mas eu não consigo sacar você, de onde vem a sua lamentação, quais são os seus medos, quando você escreve tão de cima do salto, tão segura de si. E porque você tem olhos claros.
Eu me arrebento, Ana. Eu faço as besteiras mais estupidas e peço a Deus para me punir. E eu nem acredito. Eu queria, um dia, escrever um romance. Eu sempre roubei das minhas vivências para escrever. E eu descobri agora, faz pouco, que o meu bloqueio está neste distância que eu mesmo impus a mim de mim mesmo. A falta de sinceridade, as palavras medidas, o meu respirar protegido. E o romantismo morre, por não querer ser mais doce, por ter visto o mundo, a sua boca enorme e faminta, e a sua mediocridade.
Eu procurei tanto nos outros aquilo que estava em mim. E não encontrei. E eu não sei viver só. E eu não quero mais criar outras vivências, me apaixonar por qualquer chance de amor. A gente ama tanto a quem não conhece. Amor é quase sempre sinônimo de ignorância, não? Até que se torne amor. Ou costume.
Ah, Ana. Eu queria não pensar nos motivos que me atormentam nas noites de sexta-feira. Eu sempre achei que alguém iria descobrir que sou especial. De uma forma bem infantil, eu carreguei isto revestido de uma maneira mais adulta, porém com o mesmo inútil sentimento. Eu carreguei a carência do menino de seis anos de idade, a necessidade de que todos me amassem. Eu me perdi.
Estou repensando, analisando, julgando, me fechando de novo, perdendo no jogo. E é neste momento que fico mais interessante, o meu eterno blues, o jazz que toca nas manhãs de sábado no apartamento do vizinho.
Eu quero tanto um relógio de pilha, um playmobil, uma bicicleta chamada Gina. E a minha consciência diz que se deve andar para a frente, não para trás. Então eu leio isto, do Caio Fernando, e me apavoro.
‘Na mais bonita dessas vezes, eu estava tristíssimo. Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas. Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. Aquela liberdade e falta de laços tão totais que tornam-se horríveis, e você pode então ir tanto para Botucatu quanto para Java, Budapeste ou Maputo — nada interessa. Viajante sofre muito: é o preço que se paga por querer ver “como um danado”, feito Pessoa’.
E uma citação da Camille Claudel
‘Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta’.
Eu compreendo bastante o que significa esta minha fulga, este tempo todo fora, e o quanto eu perdi de mim. Rein-vento-me. Busco mais pelo que perdi de essencia, tento livrar-me da racionalidade excessiva, o saber. Tento e não consigo. E não consigo. E não consigo me livrar dos medos do menino. Do amargo da boca do adulto. E não consigo lembrar de mim.
De onde vem este pulsar tão equivocado, o desespero? Certa vez, ouvi dizer, ou li, já nem sei, talvez tenha até mesmo inventado – eu acredito tanto no que mesmo crio – que romantismo é fraqueza. E você entende o tipo de romance a que me refiro, Ana. Eu sei.
Lembro, assim tão vagamente, de ser uma criança carente, o único com a caixa de fotografias quase vazia. O meu pai era fotográfo profissional. Os meus irmãos tinham fotos e mais fotos. Lembro da minha mãe sempre muito ocupada, as nossas contas vencendo, a chuva que molhava a casa por dentro, de vez em quando, as bebedeiras do outro, a nossa obsessão por educação, numa rua em que a maioria das pessoas mal sabia ler direito. A imagem que nunca combinava com nós mesmos. Eu sempre tive esta consciência de ser muito inteligente e relapso. Eu sempre precisei de atenção.
Projeções de amores perfeitos, as coisas que eu lia. Uma carência tão grande. E o modo como TODOS gostavam de mim, porque eu era cool, o meu modo sempre muito diferente de ver a vida. Não percebi o naufrágio, o quanto as derrotas, os amores perdidos ficaram em mim, mas do que as vitórias e os amores conquistados.
Foi tão engraçado chegar em Madrid e andar pelas ruas de madrugada bêbado como um cachorro, sofrendo a solidão de estar só no mundo, tão perdido. Eu sei que projeto no outro um ideal que não existe, e o fundo cavado e virado ao avesso disto tudo é que eu não me dou o devido valor – foi preciso ler a Anais Nin para entender. Mas eu não consigo sacar você, de onde vem a sua lamentação, quais são os seus medos, quando você escreve tão de cima do salto, tão segura de si. E porque você tem olhos claros.
Eu me arrebento, Ana. Eu faço as besteiras mais estupidas e peço a Deus para me punir. E eu nem acredito. Eu queria, um dia, escrever um romance. Eu sempre roubei das minhas vivências para escrever. E eu descobri agora, faz pouco, que o meu bloqueio está neste distância que eu mesmo impus a mim de mim mesmo. A falta de sinceridade, as palavras medidas, o meu respirar protegido. E o romantismo morre, por não querer ser mais doce, por ter visto o mundo, a sua boca enorme e faminta, e a sua mediocridade.
Eu procurei tanto nos outros aquilo que estava em mim. E não encontrei. E eu não sei viver só. E eu não quero mais criar outras vivências, me apaixonar por qualquer chance de amor. A gente ama tanto a quem não conhece. Amor é quase sempre sinônimo de ignorância, não? Até que se torne amor. Ou costume.
Ah, Ana. Eu queria não pensar nos motivos que me atormentam nas noites de sexta-feira. Eu sempre achei que alguém iria descobrir que sou especial. De uma forma bem infantil, eu carreguei isto revestido de uma maneira mais adulta, porém com o mesmo inútil sentimento. Eu carreguei a carência do menino de seis anos de idade, a necessidade de que todos me amassem. Eu me perdi.
Estou repensando, analisando, julgando, me fechando de novo, perdendo no jogo. E é neste momento que fico mais interessante, o meu eterno blues, o jazz que toca nas manhãs de sábado no apartamento do vizinho.
Eu quero tanto um relógio de pilha, um playmobil, uma bicicleta chamada Gina. E a minha consciência diz que se deve andar para a frente, não para trás. Então eu leio isto, do Caio Fernando, e me apavoro.
‘Na mais bonita dessas vezes, eu estava tristíssimo. Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas. Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. Aquela liberdade e falta de laços tão totais que tornam-se horríveis, e você pode então ir tanto para Botucatu quanto para Java, Budapeste ou Maputo — nada interessa. Viajante sofre muito: é o preço que se paga por querer ver “como um danado”, feito Pessoa’.
E uma citação da Camille Claudel
‘Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta’.
Eu compreendo bastante o que significa esta minha fulga, este tempo todo fora, e o quanto eu perdi de mim. Rein-vento-me. Busco mais pelo que perdi de essencia, tento livrar-me da racionalidade excessiva, o saber. Tento e não consigo. E não consigo. E não consigo me livrar dos medos do menino. Do amargo da boca do adulto. E não consigo lembrar de mim.
Monday, 5 May 2008
recado
Para as pessoas que se preocupam.
Não se preocupe por mim. Escrevo quando a tristeza transborda e isso nada mais é do que um correr de dedos. A vida tem me feito amargo demais. Triste demais. Tristeza é algo que demora tanto de aparecer, mas quando vem, agora, é de uma profundidade tão absurda. Nada me sufoca tanto quanto a certeza do não.
Os dias se perdem em folhas de calendários arrancadas de vez. Nada me parece fazer sentido. Já racionalizei tudo, e me sinto tão só, tão abandonado. Sim, são as minhas escolhas. Eu queria chorar um rio vermelho, se isso fosse mudar algo. Eu já nem sei mais escrever. Ando tão medíocre. Isso me dói.
Os textos estacanram numa idade tão adolescente. A vida segue e não. Os passos são todos na mesma direção. Eu queria ser comum. Eu me sinto ordinário e imperfeito. Menos do que o sujo do sapato. Diferente. Eu queria não sentir nada disso, mas é tarde, e não há mais volta. O rapaz que dormia no frio morreu de tuberculose. A rua nunca mais ouviu o seu grito: Big issue.
Eu quis um outro verbo menos egoísta e mesquinho do que querer no passado. E ainda assim, ele é tão meu. Eu ando lendo e traduzindo a Sylvia Plath, pensando que não tenho talento algum, maturidade. Está tudo cinza. Eu quero ser menos emotivo, menos eu. Eu quero 452 passos para frente, sem olhar o caminho. Um empurrão do destino, sorte, convocacção, estas coisas que só não acontecem comigo.
April, 18 – Sylvia Plath.
O sujo de todos os meus ontens
Apodrecem no escuro do meu cranio
E se o meu estômago se contraísse
Por um motivo inexplicável
Como gravidez ou constipação
Eu não me lembraria de ti
Ou se por causa de um sono
Infrequente como uma lua de queijo esverdeado
Ou se por causa de comida
Nutrindo como folhas roxas
Ou se por causa deles
Dentro de umas poucas mortais jardas de grama
Ou em pequenos espaços de céu e copas
Um futuro se perdeu
Tão facil e irreparavelmente
Quanto uma bola de tênis ao pôr-do-sol.
--
Eu estou bem. Só não me resta mais aquilo que um dia eu chamei de futuro. Desacreditar é um processo foda.
Não se preocupe por mim. Escrevo quando a tristeza transborda e isso nada mais é do que um correr de dedos. A vida tem me feito amargo demais. Triste demais. Tristeza é algo que demora tanto de aparecer, mas quando vem, agora, é de uma profundidade tão absurda. Nada me sufoca tanto quanto a certeza do não.
Os dias se perdem em folhas de calendários arrancadas de vez. Nada me parece fazer sentido. Já racionalizei tudo, e me sinto tão só, tão abandonado. Sim, são as minhas escolhas. Eu queria chorar um rio vermelho, se isso fosse mudar algo. Eu já nem sei mais escrever. Ando tão medíocre. Isso me dói.
Os textos estacanram numa idade tão adolescente. A vida segue e não. Os passos são todos na mesma direção. Eu queria ser comum. Eu me sinto ordinário e imperfeito. Menos do que o sujo do sapato. Diferente. Eu queria não sentir nada disso, mas é tarde, e não há mais volta. O rapaz que dormia no frio morreu de tuberculose. A rua nunca mais ouviu o seu grito: Big issue.
Eu quis um outro verbo menos egoísta e mesquinho do que querer no passado. E ainda assim, ele é tão meu. Eu ando lendo e traduzindo a Sylvia Plath, pensando que não tenho talento algum, maturidade. Está tudo cinza. Eu quero ser menos emotivo, menos eu. Eu quero 452 passos para frente, sem olhar o caminho. Um empurrão do destino, sorte, convocacção, estas coisas que só não acontecem comigo.
April, 18 – Sylvia Plath.
O sujo de todos os meus ontens
Apodrecem no escuro do meu cranio
E se o meu estômago se contraísse
Por um motivo inexplicável
Como gravidez ou constipação
Eu não me lembraria de ti
Ou se por causa de um sono
Infrequente como uma lua de queijo esverdeado
Ou se por causa de comida
Nutrindo como folhas roxas
Ou se por causa deles
Dentro de umas poucas mortais jardas de grama
Ou em pequenos espaços de céu e copas
Um futuro se perdeu
Tão facil e irreparavelmente
Quanto uma bola de tênis ao pôr-do-sol.
--
Eu estou bem. Só não me resta mais aquilo que um dia eu chamei de futuro. Desacreditar é um processo foda.
Subscribe to:
Posts (Atom)