Tuesday, 14 October 2008

E(ssa) Cidade

Primeiros dias

A vista do aeroporto de Salvador é mesmo um sinal de boas-vindas. Bambus se entrelaçam, cobrindo o céu, conduzindo-nos até o extremo final que nos faz querer respirar o ar fresco da cidade numa noite de primavera. É o sinal que preciso para saber que estou em casa.

A casa brinca comigo, me sinto uma criança perdida. Já não sei onde se guarda as coisas, ou as coisas se guardam em outros lugares. Uma mistura de estranhamento e memória. Saio, à noite, as ruas parecem desgastadas, as pessoas de repente me parecem todas iguais. Quero dançar e me restam poucas opções em Salvador. Lá, onde vou, o único lugar que me diz nesta noite, já não me sinto parte de nada – eu acho que nunca me senti parte; preciso de doses de alcool para adormecer o pensamento.

Talvez estes quatro anos morando no exterior tenham me dado algo que eu não sei contar. Os meus grandes amigos se mandaram também, e os poucos conhecidos com quem esbarro pelo caminho, mal querem papo. Não estou certo se intimido ou desagrado. Mas eu nunca estive tão confortável com o fato de ser quem sou.

Andando pela Barra, vendo a orla se revelar, acho tudo muito bonito e triste. A cidade deixou de ser minha no dia em que pisei aqui, desde sábado passado. Os meus gestos, valores, modo de agir e pensar refletem outra cultura. Estranho esta completa distância, o fato de ver uma cidade se movimentando no seu dia-a-dia de longe, e isto permite que eu entenda quem fui, as minhas motivações mais básicas, padrões de reações. O meu estranhamento passado, quando eu vivia aqui e não era nada disso. E era tão isso e não sabia.

A cidade e eu estabelecemos uma relação infantil, que me faz lembrar de uma música boba que diz assim ‘I keep falling in and out of love’. Às vezes, penso que morar aqui de novo seria o maior barato. Provar da sua alternatividade, ter a companhia de pessoas que adoro, estar à parte do que não interessa, dançar seu ritmo nervoso, a sua necessidade de congruência presente numa geração que cresce a meia-luz.

Outras, quando deparo com a suas deficiências, o seu antiquado modo, a sua dependência dos EUA, a sua ligação excessiva a super-estruturas, como religião e tradições passadas, me fazem querer correr para o aeroporto. Tento, em vão, ver a Cidade como uma anfitriã que me recebe de braços abertos, e curtir os dias sem análise, crítica ou opinião. Ainda bem que nada é tão urgente assim, que ninguém me ouve.

Deixe a Cidade seguir sem mim.