Saturday, 9 August 2008

Essa calma

De onde vem essa calma que eu desconheço? Por que será que de repente eu me olhei no espelho e me vi, tão real, os olhos quase tímidos diante de mim mesmo? Os dias frios ou quentes, neste verão sem memória, de Sol banhado pelo vento do Oeste que sempre me faz pensar nas pontes quando anoitece.

Um caminhar pisando em cada pedra esquecida nas ruas, o ar quase convidativo de todas as portas que se abrem, o meu sorriso. Memórias que se corrigem, e eu vi você, e nada mudou, e o meu olhar apontado como uma lança que busca projetos de longo-prazo, uma serenata de fatos tão entrelaçados que nem sequer ouso questionar. Existe mesmo este papo de destino?

Hoje amanheceu chovendo, eu quis te contar. E quis dizer que recusei todos os convites para sair, eu quis estar só. Agora eu me lembro como éramos bons amigos, eu e a minha solidão, o exercício da minha própria personalidade. Agora, que o desespero perdeu o seu lugar. Leve é um adjetivo que eu sempre cultivei.

Outros tempos. Volto a dar a mão a minha solidão, bem-vinda. Acordo, tomo um banho na sua casa, seja você quem for, e me vou. Para os braços da minha amada, a minha solidão. A solidão de quem espera pelo pôr-do-Sol atrás do seu próprio eu, o meu de-dentro. Eu comigo mesmo, porque esse papo de amor é mesmo coisa de cinema, não?

‘Vou deixar a rua me levar, ver a Cidade se acender’.

Friday, 1 August 2008

Rotina

Todos eles choram sobre mim. As suas cartas chegam, inúmeras, lotando o quadrado que está sempre à minha frente. Lamentações do homem moderno, gente sem rosto, urgências que não me afligem, nem comovem. As suas lamentações inundam meus dias. Meus dedos tentam ser mais rápidos que os deles. Eles sempre me ultrapassam. Sempre espalhando os seus pedidos nos meus correios. Chovem cartas ao invés de gotas, no escritório cinza.

Vez ou outra, me occorre lembrar que para toda pergunta deles, há uma resposta em algum canto. O homem moderno me incomoda porque carrega consigo a preguiça dos impacientes, o vício do serviço ao usuário, um desperdício. Há uma sessão chamada FAQ – Frequent Asked Questions, e lá encontram-se todas as respostas do mundo. É como um dicionário da estupidez alheia. Eu leio as cartas, as suas palavras se repetindo, uma melodia triste e apoteótica para os meus ouvidos cansados. Please, it’s urgent.

Vida de serviço ao usuário, é só parte das minhas funções, mas, ah, como me tira a paciência. O ser humano demandista, o ser humano, o ser.

Vez ou outra.